segunda-feira, 13 de junho de 2011

A Lira que Alucinda

Livres para amar

Os frios ventos de Junho me trouxeram à Bahia com o Parem de Falar Mal da Rotina no Teatro Jorge Amado e eu acabei por parar logo na famosa Trezena de Santo Antônio da Mabel Veloso, poeta maravilhosa, que vem a ser irmã de Cateano, Bethânia, mãe de Belô, Jovina e Lala, frutas de mais uma preciosa filha da Canô. Um altar bonito demais, com velas e rosas brancas, crianças em volta e a habitual alegria daquela casa. Minha linda anfitriã me lembra Adélia Prado: profana e sacra, reza e conta piadas com a mesma paixão de inteligente e rápida malícia. De repente me dei foi conta do quanto amo a Mabel. Somos amigas irmãs sem esforço e com a dedicação que nos cabe dentro da distância entre Rio-Bahia. Quando me vê seu rosto ilumina e meu coração bate mais forte. Se ela sabe que estou aqui e não está com seu tempo todo ocupado em ser essa cultura viva comandando tudo desde o seu Reino do Santo Amaro-Tororó, garantida está a frigideira de maturi que ela vai pessoalmente pro fogão preparar pra mim. Nos presenteamos, compartilhamos histórias, gargalhadas, trotes e poemas; Seu irmão nos disse que a poesia está para a prosa assim como o amor está para a amizade e isso não podemos negar. Senão vejamos: quando conhecemos um amigo novo, o sentimento parece muito com a paixão. Queremos que ele nos conheça melhor e sabê-lo mais vira naturalmente nosso desejo, fazemos alguns planos em conjunto que podem incluir festas, viagens, cinemas, encontros. Arrisco dizer que a amizade goza de privilégios que fazem falta à saúde do amor, dito assim romântico-carnal. Por exemplo, entre amigos é permitido períodos de afastamento, respirações, distâncias saudáveis que vão regando a saudade e o caminho de volta para a casa, moradia daquele afeto. Já no amor, abusamos do excesso de presença e brigamos na exigência de querer toda a vida do outro exposta a nós. Como um reality show autorizado pelo outro observado, como prova de seu amor. E, em verdade, ser o que se é não é necessariamente uma oponência ao outro. Com o amigo, embora tenhamos compromisso afetivo, a largura da liberdade deste laço nos permite não dar tanta satisfação assim. Respeitamos o amigo que amamos, seus sonhos, seus desejos. Queremos ajudá-lo a realizá-los no que pudermos, e isso é também fundamento de grande utilidade para o amor-amor. Que bichinho é este que faz com que a gente não suporte que o outro se realize também onde não estamos? Que ele seja feliz longe de nós? Se os amigos podem se divertir também em nossa ausência porque os amores não? Por que será que aquilo que não é nossa presença na vida do outro nos ameaça?

Por isso sem querer, há amores que não são compostos de amantes mas de escravos. E por causa destas prisões o amor perde muitas vezes a luta. Coitado, também pudera! Pode ele viver bem em cárcere privado se amar é querer e querer bem? Sem contar as coisas que o amor não compreende e das quais tem que dar conta mesmo não sendo de sua alçada. Brigamos porque o outro perdeu a tampa da pasta de dente ou por causa da bendita toalha molhada sobre a cama, mas a culpa não é da toalha nem do tubo de dentifrício. Já o dinheiro, eu vi acabar com tantos casamentos e amizades, meu Deus, que nem dá para contar.

Você poderá argumentar que com amigos, em geral, não se tem sexo, então os problemas da posse ali são minimizados ou nem existem. Pode dizer também que com amores a cumplicidade vem da intimidade compartilhada, física e emocionalmente. No entanto há segredos que só a um único amigo confidenciamos e não gostaríamos que o príncipe do nosso romance soubesse. Talvez por isso o ideal pareça ser termos o amigo e o amor fundidos no mesmo companheiro. Ora, se a amizade é um estágio da árvore do amor, em que lugar a colocaríamos? Do amor a amizade é princípio ou o seu estágio mais evoluído?

Ao contrário da monogamia costumeira, na amizade somos mais flexíveis. Tem muita gente no mundo e não há restrição por parte do outro; você pode fazer amigo novo todo dia se quiser. E quando apresentamos um amigo ao outro que se tornam grandes amigos também? Não é bom? Não nos dá orgulho? Não nos sublinha a coerência afetiva, e nos confirma como tribo e rede? A mesma dinâmica no caminho do amor não tem normalmente o mesmo alegre desfecho-ciranda. Pelo contrário. Se apresentamos alguém a nosso cônjuge e eles se apaixonam, está , em geral, o circo em fogo e a guerra declarada: “mas que cínicos! Em pensar que fui eu que apresentei os dois, ai como fui idiota, meu Deus!? ”

Amanhã é dia dos namorados, que se inclua em seus cuidados as riquezas e as seguranças de uma amizade. Talvez seja o que falte à plenitude amorosa. Uma pitada de cada ingrediente da amizade ao amor romântico pode nos levar a crer que a amizade é uma das evoluções do amor. Sem seu fundamento casais e amigos se vigiam e se sacaneiam loucamente. A amizade como componente na poção amorosa faz milagres. Observe bem a triste fatalidade: onde houver miséria humana está ali ou ali esteve a falta de amor amigo e de suas cúmplices possibilidades.

Texto lindo da Elisa Lucinda!!

Sem muitas delongas, ótima semana!!!

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