segunda-feira, 16 de maio de 2011

Coisas da Ivana Arruda Leite

"Eu nunca desculpei Vinícius de Moraes por este verso. O poetinha morreu sem meu perdão. Como ele pode jogar na minha cara, em plena adolescência, que beleza é fundamental? Justo pra mim, que vim ao mundo totalmente desprovida desse dom?
Aliás, se tem uma coisa que Deus não distribuiu com justiça entre os mortais é a beleza, que sempre foi de poucos. Desde que o mundo é mundo, os belos são uma elite, detentora de um poder avassalador contra o qual não há argumento.
O que fazer? Revoltar-se contra o belo? Maldizer a beleza? Quem se atreve?
A beleza nos faz calar a boca sem direito de resposta. Diante dela só há uma atitude possível: render-se. Ressentimento e inveja, não melhoram em nada a situação.
A vida dos belos corre sobre roldanas. Todos lhe dão a vez, o lugar e o coração.
Eles nem imaginam o trabalho que a feiúra dá. Mal principia a manhã e lá vai a feia carregando sua cruz, tentando se equilibrar no salto, sem perder a linha nem o bom humor (feiúra e mau humor juntos, não há quem agüente).
O jeito é rir, rir muito, rir de si própria. Uma boa gargalhada deixa qualquer boca maravilhosa, mesmo que ela seja torta como a minha.
Desde pequena a mulher feia é obrigada a buscar algo, alguma coisa, qualquer coisa que faça sua feiúra passar desapercebida. É assim que nascem muitas das grandes cientistas, físicas arquitetônicas, astronautas mirabolantes, deputadas enraivecidas, trapezistas, cineastas, jornalistas e, principalmente, escritoras que, inconformadas com sua triste sina, começam desde cedo a fabricar realidades.
A mulher feia não pode deixar por menos. Ela tem que ofuscar. O problema é quando ela erra a mão e acaba ofuscando tanto que fica sozinha de novo. De volta ao começo.
Outra forma de distrair o olhar da platéia é ter uma filha linda como eu tive. Ganhei salvo conduto pra vida inteira.
- Esta é sua filha?
A beleza da Bebel me redimiu e, por causa dela, já não sou tão feia como antigamente. Ela me mostrou como é fácil a vida de uma mulher bela.
Ainda bem que foi assim. Já pensou se fosse o contrário?"

(crônica publicada na Revista da Folha, em 2004)


Gente, a Ivana Arruda Leite é uma baita duma escritora paulistana que para os blogueiros de plantão está disponível no Doidivana. Corram lá, vocês vão se deliciar!!!



Nenhum comentário:

Postar um comentário